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Prólogo, Capítulo I, Capítulo II, Capítulo III, Capítulo IV, Capítulo V
VI – Possessão
- Victor,
vamos brincar um pouco – tentei disfarçar a chegada de seu pai.
- Hoje, eu sonhei que meu pai havia voltado.
Por acaso ele acabou de chegar? – Victor me olhou intensamente, tentando me
forçar a falar a verdade.
Será
que esse garoto é algum vidente? Já é a segunda vez que ele tem o sonho do
futuro.
- Não, Victor. Ele ainda não chegou. Mas
tenha a fé de que ele um dia estará novamente com você. Agora vamos brincar –
levantei-me da cama.
- Tudo bem – forçou um sorriso.
Enquanto
isso, um andar abaixo...
- Pode começar a falar, Dave!
- Tudo bem. Vamos desde o princípio. Eu saí
para finalmente aprender a controlar a fera adormecida em meu subconsciente,
usando como pretexto que estava saindo para caçar. Olívia me seguiu até o
bosque, pelo motivo, o qual, não sei. Ao chegar lá, a fera havia tomado
controle sobre meus movimentos e, por fim, acabei atirando e tirando a vida de
Olívia. Satisfeita? – Disse Dave, lacrimejando.
- Não, claro que não estou! Você matou minha
amiga, Dave, mas... mesmo assim, não sei o porquê, mas não consigo ficar com raiva
de você, por mais que isto seja grave. Portanto, espere até que Chris chegue e
se resolva com ele – ela virou o rosto e empinou o nariz.
- Ok, vou subir agora para ver Victor. Mesmo
que tenha sido um único dia, sinto que passei semanas longe ele.
- Como
assim um único dia? Dave, já faz mais de um mês desde o seu desaparecimento!
Seu filho está traumatizado com a visão de sua mãe, é melhor não o ver agora. Embora ele deseje muito lhe ver – pensou
Cristina, abaixando a cabeça, expressando certo desânimo.
- Mas... não importa! Quero ver meu filho! –
Dave gritou, alto o bastante para sua voz ecoar até o andar de cima.
- O que foi essa voz? Você a ouviu, Ray? –
Victor olhava desesperadamente para todos os lados.
- Não, não ouvi nada. Rápido, vamos brincar
de escalar e descer o quarto pela janela!
- Certo... – Victor estava desolado por
estar ouvindo a voz de seu pai, mas não poder o ver.
Dave entrou no quarto, berrando, porém tarde
demais.
- Víctor! O papai chegou... Víctor? –
Rapidamente, ele correu para a janela e pôs sua cabeça para fora, todavia,
nada, nem ninguém, ele conseguiu encontrar.
Consegui
despistá-lo. Agora, Victor está a salvo. Ainda tenho que ficar de guarda até
meu pai chegar, obedecendo sua última ordem: “Ficarei fora por um tempo, mas se
nesse tempo Dave aparecer, não deixe que ele veja Victor, ou ele se descontrolará”.
Não entendi o porquê do tal descontrole,
no entanto, meu pai não tinha tempo para explicar. Corremos para os fundos
da casa e lá permanecemos, brincando. Tentei enrolar o máximo possível para meu
tio ir embora, mas em vão. Ele nos encontrou.
- Victor!
- Papai!
O pior encontro possível aconteceu. Ao
abraçar Victor, as pupilas de Dave dilataram, até cobrir completamente seus
olhos. Sua feição mudou, seus dentes rangiam, ele tinha uma tremenda sede de
sangue e lá estava seu filho, para o saciar, um alvo fácil, uma presa que não
escaparia. Até que, de súbito, ouvi uma voz que vinha do além. Uma voz
desconhecida, seguida de uma mais familiar.
- Meu
herdeiro terá seu valor, trará paz e harmonia para este lugar, o segundo trará
desgraça e será amaldiçoado – a primeira voz, vinda do além. – Esse é o juramento, Dave – aparentemente,
a voz do meu pai, mais jovem, por sinal.
Quando me dei conta, o tempo havia parado ao
meu redor, estava de frente para a cena da morte do meu primo, tendo o pescoço
a poucos centímetros da boca de Dave. Eu tinha a absoluta certeza de que a
segunda voz ouvida era a do meu pai, mas agora não tinha tempo para pensar a
respeito. Sou mais velho que Victor, isso
quer dizer que ele é o segundo herdeiro, ou seja, trará desgraça, quer dizer que,
com Victor por perto, tio Dave sempre irá se descontrolar. E se eu sou o
primeiro, trarei paz e harmonia, assim, basta que eu tire Victor de perto de
Dave.
Aos poucos, o tempo ia voltando ao normal,
progredindo lentamente. Se eu realmente fosse salvar Victor, deveria ser agora.
Corri na direção dos dois e puxei meu primo, que teve um leve arranhão, causado
pelo rápido fechamento da boca de Dave. Então, o tempo pôde voltar ao normal.
Para acalmar meu tio, assim como Victor o descontrolou, eu deveria estar perto
dele, mas ele parecia se sentir ameaçado e acabou fugindo. Entrei na casa de Dave,
deixando Victor com minha mãe.
Dave correu tão rápido que eu já o havia
perdido de vista, entretanto, para minha sorte, ou azar, ouvi gritos vindos à
direção da cidade. Dave estava fora de si, passava pelas ruas como um monstro
avassalador. Os berros de agonia ficavam cada vez mais altos a cada passo que
eu dava em direção à cidade.
- Não a mate, é minha única filha! Por favor!
– Gritou uma mulher.
Consegui o alcançar, mas era tarde, ele
havia feito outra vítima. Pobre garotinha, estirada no chão com os membros
arrancados e a cabeça decepada. Sua mãe já não sabia se chorava ou vomitava com
o ar putrefato, estava aflita.
- Senhora, acalme-se. Sua filha não se foi
em vão. Garanto que sua morte será vingada, portanto, dê um enterro digno e
merecido à sua filha e não viva presa a este passado – falei, enquanto secava
suas lágrimas.
- Muito obrigado pelo consolo, bom jovem,
estou bem agora. Não perca seu tempo comigo e vá rápido e mate aquele terrível
Orcry! – Disse a mulher, empurrando-me bruscamente e abraçando os restos de sua
filha.
Mas...
o que é um Orcry? Dave percebeu que estava sendo perseguido e apertou o
passo. Mesmo correndo o máximo que pude, não consegui o alcançar. Ele havia saído
da cidade, adentrando novamente a floresta. Decidi voltar para casa, já que ele
provavelmente iria para lá algum dia.
Chegando, procurei minha mãe. Queria falar
com ela sobre o estado de Dave, mas ela não estava lá. Fui ao quarto de Victor
e o mesmo também não estava. Eles amam
desaparecer na hora errada! Vou até o trabalho do meu pai, ele deve saber o que
fazer. Na chácara, avistei somente três pessoas, sendo que meu pai não
estava entre alas. Fu até elas perguntar sobre Chris.
- Boa tarde, vocês sabem onde Christopher
está?
- Ele saiu daqui com a esposa, não faz muito
tempo. Ele mencionou com ela algo como exorcizar o Orcry no Bosque Maldito.
- Muito obrigado, senhor! – Corri em direção
ao bosque.
No lugar onde disseram, avistei meus pais,
mas Victor não estava lá. Meu pai estava desenhando um círculo no chão. Dentro dele
havia um quadrado, onde, em cada interseção, havia um círculo, com caracteres
estranhos dentro deles. Sendo 兄弟愛,
愛, 呪い,
祝福. Minha mãe estava sentada, com
lágrimas caindo de seu belo rosto.
- Pai, o que houve? Por que está desenhando
isso? Por que minha mãe está chorando? O que você fez?
- Acalme-se, Raven. Hoje, vamos acabar com a
fera que atormenta seu tio. Está vendo esses círculos? Olhe bem para cada
palavra dentro deles e me diga o que vê.
- Mas eu não entendo nada, vejo apenas
traços!
- Acalme-se e leia!
Olhei atentamente para o primeiro símbolo e,
como num passe de mágica, os pequenos traços foram se organizando, formando uma
palavra. Irmandade? Vou ler as outas.
Amor, maldição e bênção.
- Consegui ler todas, pai, mas o que
pretende fazer com isso?
- Vamos exorcizar a fera em seu tio, livrá-lo
de todo esse sofrimento. Como pode ver, há quatro círculos, um para cada um de
nós. O irmão, a paizão, a maldição e a bênção. Todas as pessoas necessárias.
- E por que minha mãe está chorando?
- Ele pode morrer... mas temos que tentar,
ou ele matará muito mais pessoas. Fiquei sabendo por Emily da morte de sua
filha. Não quero mais ver isso, se ele tiver de morrer, suportaremos isso
juntos, como uma família, tudo bem? – Chris tentava segurar o choro.
- Tudo bem, pai. Mas precisamos procurar
Victor, ele não estava em cada quando o procurei.
- Nós sabemos, já conversei com ele. Victor
vai atrair seu tio até nós.
- O quê? Ele pode morrer! Dave está fora de
si – gritei.
- Novamente lhe digo, filho. Acalme-se. Mandei
justamente Victor, porque esse garoto é quem Dave mais venera. Ele com toda
certeza não irá mata-lo.
- O senhor diz isso porque não deve ter
reparado o corte em seu pescoço. Victor escapou por um triz de ter tido o
pescoço arrancado!
- Disso eu não sabia, ele realmente corre
perigo. Mas não podemos sair daqui, vamos confiar nele. Em suas posições,
agora! Vá para a bênção, Ray. Cristina, vá para amor. Eu vou para irmandade.
Espero que tudo dê certo com Victor.
-
Rrrrr – Dave rosnou.
-
Acalme-se, pai! Sou eu, Victor, seu filho! – Victor gritava, enquanto corria em
nossa direção.
-
Venha logo, Victor, corra para o se círculo!
- Victor finalmente entrou no círculo,
enquanto Dave ficou entre todos nós, no centro de círculo, olhando para nossos
rostos e rosnando. Ao ver o rosto de Cristina, ele conseguiu retomar o controle,
ao menos, de sua voz.
- Então, você realmente fará isso... estou
pronto, faça rápido, antes que ele tome o controle! Se eu for morrer, que seja
como eu mesmo.
- Tudo bem, meu irmão. Antes de começar,
quero que você saiba que é meu querido e amado amigo, não lhe trocaria por mais
ninguém. Aguente isso, sobreviva e volte para nós! – Chris não mais se conteve
e chorou. – H’llar, S’llar, K’llar, rogo-te, livre-o de seu juramento, livre-o
de sua escravidão, liberte-o de seu mestre, deixe-o santo então! H’llar, S’llar,
K’llar[1]
– após ditas estas palavras, olhou bem para seu irmão e cada um de nós. –
Pessoal, é agora que tudo vai se dificultar, a fera dentro de Dave tentará
tomar o controle total. Sejam fortes, vamos ter que criar uma barreira. Repitam
comigo!
- Nunc
mundare, et eligantur, et imprimetur signum, et fidem. Christopher, Raven et Victor et Cristina. Non occurent mala, Nihil
oberit, Ita, Phopheta: Amen![2].
Ao repetir as palavras, uma espécie de cúpula
surgiu, aprisionando Dave dentro dela e nos protegendo.
- Rápido, termine logo isso o quando antes,
não sei se consigo controlar mais! – Bradou Dave.
- Repitam agora, sempre as mesmas palavras! H’llar,
S’llar, K’llar. Saia, liberti-o, emane todo seu poder. És uma mancha na alma,
uma mancha no viver, abandone este corpo, deves perecer![3]
Após a quinta repetição, Dave começou a
perder o controle. Rosnava até perder a voz, parecia estar sofrendo. Um manto
vermelho apareceu, cobrindo-o totalmente.
- Pai, o que é isso vermelho o cobrindo?
- Só agora conseguiu ver, filho? Isso é o
que chamamos de membrana do Orcry.
- Mas afinal, o que é um Orcry?
- Não temos tempo para isso agora! Concentre-se!
Dave começou a bater na barreira, na direção
de Christopher, bateu tanto no mesmo lugar, que rachaduras começaram a
aparecer. Chris estava fraco, não conseguia manter seu lado da barreira por
mais tempo, até que ele acabou cedendo. Aproveitando-se dessa chance, Dave
levantou seu braço, reunindo o manto vermelho em seu corpo, formando uma espécie
de lança. Christopher logo viu, em sua frente, a morte e simplesmente fechou os
olhos, aceitando seu cruel destino.
- Não faça isso, volte! – Gritei desesperadamente,
mas em vão.
Christopher, ainda com os olhos fechados,
sentiu um líquido espesso banhar seu rosto. Ao
menos posso morrer sem sentir dor – pensou.
- Dave, seu desgraçado, como pôde fazer isso
com quem só quis seu bem? – Gritei. O desespero me consumiu. Encarei todo o
sangue, fiquei pálido. Meu corpo estremeceu, até que não suportei a pressão e
caí no chão. Antes de perder a consciência, Victor me deu um tapa no rosto.
- Não durma! Você terá de suportar, estávamos
preparados para o pior – disse Victor, forçando-me a ver aquela cena.
Christopher estava com o rosto banhado em
sangue e, ao abrir os olhos, sentiu um grande alívio ao perceber que estava
morto, alívio o qual não durou muito tempo. Em sua frente estava Cristina, com
a barriga perfurada. Seu estômago estava fora do corpo, juntamente ao seu coração,
estavam derretendo pouco a pouco sob a ação da secreção ácida do manto. Estava batendo
cada vez mais fraco, diminuindo gradativamente a velocidade. Meu pai estava
pasmo, paralisado com a visão, lágrimas começaram a correr de seu rosto,
misturando-se à vermelhidão do sangue de Cristina.
Dave conseguiu recobrar os sentidos, olhando
então, para sua amada, em sua frente, quase morta.
- Não, não, não, não! Por quê, Cristina?
Primeiro Olívia morre em minhas mãos, alegando não ter sido amada, agora você! E
eu lhe matei! Eu! Por que você tem sempre que o proteger? Meu irmão não merece
isso, eu mereço! Tive de suportar a dor da maldição por todos estes anos, sem
você ao meu lado para me consolar, e agora, quando finalmente iria me livrar
dessa maldição, você morre! – Dave gritou, aos prantos.
- Fico feliz em ter morrido por ambos. Veja,
Chris está vivo. Você se livrou da maldição. O manto sumiu! Agora me sinto mais
viva do que antes já me senti. Cuidem bem de seus filhos, não deixem que eles
se separem jamais, ainda mais agora que começou – Cristina começou a perder os
sentidos, caindo. Rapidamente, Chris a segurou. – Agora, mais do que nunca,
eles precisam de vocês. Jamais se esqueçam do quanto lhes amei – minha mãe
olhou então para o meu rosto, dando um breve sorriso, antes de sua cabeça cair
lenta e suavemente ao chão. – Então... é assim que a vida passa diante dos
olhos antes de morrer, agora matei minha maior curiosidade, posso morrer em
paz.
Cristina morreu deixando uma última lágrima
cair, novamente de seu olho direito. Lágrima a qual guardava uma linda, porém
terrível história.
[2]
Barreira de proteção – (Agora
eu limpo, purifico e selo com proteção. Christopher, Raven, Victor e Christina.
Nenhum mal alcançará, nenhum mal fará, assim se faça, assim seja!)
[3]
Exorcismo
do Orcry – usado para
matar a fera no subconsciente de um Orcry. Altamente arriscado, caso os errantes não tenham poder espiritual
suficiente, a fera morrerá junto ao Orcry.
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Este foi o capítulo de hoje, espero que tenham gostado. Não se esqueçam do amado +1, de comentar a compartilhar!
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