Livro de Resenhas | Veio ler? Não se contenha

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

A Família Maldita - Capitulo 2



Capitulo 2
Recordando e contando 

   Max acordara com Joana, sua esposa, dormindo aos seus braços. Com o máximo de circunspecção para não a despertar, abandonou, em movimentos retrógrados, a cama. Ela havia permanecido até tarde da noite limpando a bagunça da casa, resultado da festa de aniversário de Alex e Abel. Max, com peso na consciência foi fazer o café da manhã, achando que era o mínimo que poderia fazer, visto que ele fora dormir enquanto ela limpava toda a bagunça.
   Abel e seu filho, Eduardo, encontravam-se dormindo no quarto de Alex. Sabendo do gosto de sua mulher por um café bem forte, Max começava a engendrar a bebida, enquanto devaneava, procurando por um ponto de partida para que pudesse contar a história. Não era algo que ele quisesse encarar novamente, mas Abel queria deixar Alex e Eduardo cientes de tudo o que lhes acontecera e no fundo Max compreendia que eles deveriam saber. Mas não nessa idade! Eles são muito novos. – Disse a si mesmo melancolicamente, tendo a consciência logo em seguida de que estava sendo um pai superprotetor.
   Eram umas oito e meia da manhã e era sabido que todos da casa demorariam em acordar. Sem sono e sem ter nada para fazer, ele decidiu preparar alguns joelhos, um bolo de coco e uma jarra de suco de laranja. Quando terminou a cocção, já se passava um pouco das dez da manhã. E como uma brisa chegando no ápice do calor, batendo exatamente no suor de seu corpo, Abel e Alex chegaram à cozinha quase no mesmo instante em que ele terminou de arrumar a mesa.
   - Sabia que encontraríamos você aqui! – Disse Abel com um sorriso que irradiava vida, em contraste com sua leve olheira e seu cabelo loiro escuro despenteado que o dava uma aparência cansada. Assim como Alex que, embora, tinha cara de sono, esboçava um grande sorriso ao ver a mesa abarrotada com comida de seu agrado.
   - Pai, meu tio-mano e eu já escovamos os dentes e... Enquanto comemos, vocês dois poderiam me contar a história... pedi ao meu tio-mano para falar algo noite passada, mas ele se recusou. Já estou impaciente, vou ficar perturbando até vocês falarem.
   - Tudo na sua hora, mano-binho – Abel disse, desarrumando ainda mais os cabelos ruivos e lisos de Alex. – Além do mais, Eduardo também merece ouvir a história, não acha?
   - Sim, mas eu posso acordá-lo e trazê-lo aqui, para que ele escute também!
   - Certo, mas agora vamos comer e depois iremos para o quarto, afinal lá teremos mais privacidade. Não quero que sua mãe relembre essa história! – Disse Max. – Vá acordar seu primo!
   - Ok, Pai! – Disse Alex, indo imediatamente obedecer à ordem, mas parando abruptamente e virando-se para encarar novamente seu pai. – Minha mãe entra nessa história?
   - Na metade dela, o caso é que ela sofreu mais do que nós, não da mesma forma, porém ela sofreu pela dor da rejeição... A dor causada pelo desprezo. Você entenderá!

***

   Eles estavam no carro, meu pai e minha mãe. Aparentemente tudo estava tranquilo, a noite estava meio cerrada e começava a despencar pequenas gotas de chuvas que explodiam e deslizavam pelo para-brisa. Inesperadamente, uma névoa negra surgira e envolvera o veículo, tapando completamente a visão da estrada. Com o ímpeto do medo tomando a razão do meu pai, ele pisara no freio com toda sua força, minha mãe que se encontrava ressonando baixinho acordou apavorada com o canto fúnebre e agudo dos pneus.
   A visão do carro tombando e capotando me fez acordar daquele pesadelo execrável. Lembro-me de ter acordado apavorado, com o corpo pegajoso de suor.
   Foi só um pesadelo – Pensei, aliviado, ligando a luz do meu quarto.
   Olhei para o relógio, eram três e meia da manhã. Meus pais iriam viajar para Nova York às cinco, uma viagem rotineira, visto que meu pai era um escritor de vários best-sellers, cujo público é o adolescente; e minha mãe era uma ótima cozinheira além de ser apresentadora de um programa culinário num canal fechado e ela sempre aproveitava as turnês de meu pai para estudar em diferentes escolas de gastronomia de diversos países e depois mostrava o que tinha aprendido em seu programa de televisão.
   Cético a tal pesadelo, iria voltar a dormir quando escutei um estrépito de algo se arrastando, uma voz sussurrando meu nome, meu coração começou a bater mais forte. Meu corpo se arrepiou de medo quando a porta começou a se abrir num gemido gélido, contudo meu medo deu lugar à fúria ao descobrir que era apenas Abel, meu irmão de sete anos, que adorava me perturbar.
   - Mas que diabo, Abel, está querendo me matar de susto? – Disse Max olhando com uma fúria estampada no rosto, mas sorriu logo em seguida para amenizar o clima.
   - Desculpe, mano! Posso dormir com você? – Abel estava meio pálido e com uma expressão nada convidativa em seu rosto.
   - Pesadelo? – Adivinhei em tom de dúvida.
   Ele fechou a porta do quarto e disse:
   - Caraca mano, sonhei com nossos pais! E não era nada agradável, acredite... – Eu sentia que Abel estava hesitando em contar alguma coisa, estava visivelmente assustado. – Eles haviam... deixa para lá, não é relevante!
   Eu sentia o medo emanando da pele de meu irmão, percebia a veracidade e a preocupação na entonação de sua voz.
   - Você sabe que pode me contar qualquer coisa, o que aconteceu com nossos pais? – Perguntei curioso.
   - Em meu pesadelo eles... haviam sido mortos, causada na verdade por uma maldita névoa negra que surgiu misteriosamente na estrada fazendo com que meu pai perdesse a direção do carro em que estava dirigindo – Alex disse com uma voz trêmula.
   Seria apenas coincidência? Assustei-me com tal revelação, como meu irmão poderia ter sonhado o mesmo que eu? Isso não era possível... com desejo de acalenta-lo o abracei mostrando que poderia sempre confiar e contar comigo. Sabendo também da viagem de nossos pais e que tínhamos de dormir, visto que acordaríamos cedo mesmo que não fossemos viajar com eles, pus meu irmão na cama enquanto eu deitava ao seu lado, tentando dizer a mim mesmo que o sonho fora apenas uma coincidência infeliz. Com um ato de compaixão e parte para me fazer esquecer o meu medo, decidi acalmar meu irmão.
   - Tudo vai ficar bem, não se preocupe. Só foi um pesadelo! – Disse acariciando seus cabelos. Estava em dúvida sobre revelar que havia tido o mesmo sonho, porém ao vê-lo estático, deitado ao meu lado decidi não lhe contar sobre o pesadelo, para não o assustar ainda mais.
   - Não, não vai ficar tudo bem, mano. Só vai ficar pior... Ele me disse. – Abel estava ficando cada vez mais trêmulo enquanto a conversa ficava cada vez mais sombria.
   - Quem disse o que? – Perguntei, curioso.
   - Não posso dizer! – A voz de Abel, fez meu coração bater descompassadamente.
   Saí da cama, me ajoelhei e olhei bem nos olhos de Abel que continuava deitado.
   - Maninho você sabe que pode confiar em mim, o que ele disse?
   - Que nossa família vai ser destruída, cada um de nós irá sofrer até a última gota de vida que restar em nossas almas – Abel estava assustado e as gotas de pesar começaram a escorrer lentamente em seus olhos, eu o coloquei sentado na cama e o abracei enquanto perguntava.
   - Quem disse isso?
   Abel apoiou o queixo em meus ombros e sussurrou em meu ouvido.
   - Eu não sei, ele era estranho, era um monstro e me ameaçou, disse... disse que iria me matar se eu contasse para alguém.
   - Ninguém lhe fará nenhum mal, eu vou proteger você e a nossa irmã, e saiba que aconteça o que acontecer sempre estaremos juntos.
   Um grito rouco e estridente ecoou em toda a casa.
   - Nicole! – Exclamei com meu coração saltando pela garganta.
   Em reflexo ao grito, peguei Abel no colo e saí correndo rumo ao quarto de minha irmã, eufórico passei na frente do aposento de meus pais e os vi abrindo a porta assustados, ao me verem eles com certeza ficaram histéricos, pois seguiram em meu encalço. Apressado, abri a porta de supetão, meus pais, aflitos, entraram primeiro. Coloquei Abel no chão e seguimos juntos onde encontramos Nicole chorando, deitada sobre a cama, com uma mão levantando o lençol até seu peito, foi com um grande alívio que descobrimos que ela aparentemente estava bem.
   - O que houve querida? – Perguntou nossa mãe pálida.
   - Eu tive um pesadelo, foi horrível, não me lembro direito, mas... vocês estavam num carro e do nada veio uma nuvem negra embaçando toda a visão da estrada. Não dava para ver nada. Ainda me lembro do rosto do meu pai desesperado pisando no freio e quando o veículo começou a capotar... foi horrível e ainda pior quando acordei, porque eu me deparei com um homem estranho, deformado, um monstro me encarando, quando gritei, ele evaporou no ar e desapareceu como puro encanto. Mas eu estou bem, talvez fosse só a minha imaginação. Acho que eu estou ficando louca, não se preocupem comigo.
   Eu estava trêmulo e com os olhos lacrimejantes, não podia acreditar que isso estava acontecendo, era muita coincidência, três pessoas terem o mesmo pesadelo. Abel meu irmão caçula que estava ao meu lado, segurando fortemente minha calça, olhou-me de um jeito que implorava por uma concessão para que ele pudesse contar tudo o que sabia, assenti. Em minha sanidade perfeita não contaria e nem o deixaria contar, mas eu já estava com medo de essa ser a última vez em que veríamos nossos pais.
   - A maninha não foi a única a ter tal sonho, pois eu mesmo acabei de ter semelhante pesadelo...
   - E eles dois não ficam sozinhos, porque hoje acordei assustado, devido esse pesadelo vir até a mim para me assombrar – disse.
   Abel, furioso por não ter lhe contado, encarou-me com uma expressão que dizia: Porque você não me contou? A única coisa que pude fazer foi o ignorar.
   Não me lembro de muita coisa depois disso, apenas que nossos pais falaram que a viagem era muito importante e prometeram dirigir até o aeroporto devagar, tomando o maior cuidado possível. Como o sono se esvaiu, Nicole, Abel e eu, depois de nos vestirmos apropriadamente, ajudamo-los a colocar as malas no carro.
   Dado a hora, fomos todos ao aeroporto, eu iria voltar dirigindo, todos sabíamos que eu tinha apenas dezesseis anos, mas meu pai confiava em mim e tinha a confiança de que eu não pegaria no carro, uma vez estando em casa, até ele chegar, além do mais, não havia ninguém com quem meu pai tivesse confiança suficiente para retornar com o carro do aeroporto para casa, sobrando assim à opção de pegar um táxi que seria pequeno demais para acomodar as bagagens dos dois, então essa opção estava fora de cogitação.
   No carro, Abel, Nicole e eu estávamos todos aflitos, forçando meu pai a prestar a máxima atenção, além de andar bem devagar. Chegamos ao aeroporto, às cinco da manhã, horário que era para sairmos de casa, caso a Nicole não houvesse gritado e aterrorizado a casa inteira.
   Seis da manhã nos despedimos de nossos pais e retornamos ao nosso lar. Mal sabíamos tudo o que iria nos acontecer dali para a frente.

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