Livro de Resenhas | Veio ler? Não se contenha

sábado, 18 de julho de 2015

O Renascer do Outono - III - Christopher - Maldição

Então pessoal, antes de lerem, vou explicar como funciona o livro. Daqui pra frente, diversas vezes vocês verão outras narrativas e, quando for o caso, colocarei o nome do personagem que será o narrador. Quando eu não colocar o nome do personagem, é porque é apenas o Raven. Bom, aproveitem a leitura.

III – Christopher - Maldição


Éramos dois adolescentes à flor-da-juventude. Corríamos contra o tempo, dando trotes pela vizinhança, parecendo duas crianças. Diariamente íamos a festas, encontros, normalidades juvenis. Até que um dia, como obra do destino, acabando com nossa rotina recursiva, encontramos uma senhora caída no chão, pedindo por ajuda.
   - Por favor! Por favor! Podem me ajudar a levantar, meninos?
   - Claro, senhora – disse, estendendo-lhe a mão.
   - Oh, muito obrigada, meu jovem. Tome isso como forma de agradecimento – a senhora enfiou a mão em sua bolsa e puxou dois bonecos de palha, com roupas costuradas, entregando um a Dave e outro a mim.
   - Ah, velha, por favor. Não vê que somos homens? Ainda nos vem com bonecos? De forma alguma eu o aceito, pode dá-lo a alguma criancinha – disse Dave, como sempre, ignorante.
   - Você não sabe de nada, menino! Pegue o boneco de uma vez e, em hipótese alguma o dê a outra pessoa, nem mesmo a ofereça, ou será amaldiçoado – disse a senhora, que logo após, foi se transparecendo, até sumir.
   - Ué, para onde a velha foi? – Dave perguntou, assustado.
   - Não sei, mas vamos voltar para casa e guardá-los. Não deixe que ninguém os veja.
   Chegamos em casa. Dave correu para o seu quarto e eu, para o meu. Eu estava curioso a respeito do boneco, então o peguei. Olhando-o detalhadamente, notei uma pequena abertura em sua barriga. Ao abrir, vi que havia um pedaço de papel, que dizia:

“Se você está lendo isso, ainda tem uma chance de escapar. Pegue o boneco e leve-o ao Bosque Maldito. Lá, queime-o e tente não demonstrar emoções negativas, caso contrário, estará perdido. ”

   Fiquei assustado ao ver que aquela senhora poderia estar falando a verdade. Sem entender o bilhete, fui mostrá-lo ao meu irmão, porém, havia chegado tarde demais. Ele estava olhando para o boneco, debatendo-se na cadeira, não ouvia minha voz, até que eu peguei o boneco e, fora de si, ele se levantou e caminhou em minha direção. Inicialmente, achei que ele apenas pegaria o boneco de volta, mas, quando o vi o sangue escorrendo de seus olhos, boca e nariz, percebi que ele estava alterado. Dave provavelmente tentou se livrar do boneco, não acreditando na senhora. Ele havia sido realmente amaldiçoado. Seus olhos estavam vermelhos e marcas negras surgiram em seu rosto.
   - Dave, é você? Se for, por favor, pare. Não deixe ser controlado por isso!
   Impetuoso, Dave avançou e, num ato de desespero, corri para a floresta, lembrando-me do bilhete, do que era preciso ser feito. Não fazia ideia de que “Bosque Maldito” era este, tudo o que via eram árvores e mais árvores, até tropeçar num pedaço de madeira. Levantei-o e percebi que era uma placa. As palavras nela pareciam escritas com sangue.

PERIGO. AFASTE-SE!

   Por que colocariam uma placa como esta, no meio de uma floresta que nem animais tem? Ah, que seja! Não tenho tempo para pensar, tenho que encontrar logo esse bosque. Adentrando a floresta, encontrei uma pequena cabana, velha e abandonada, caindo aos pedaços. Entrando nela, vi cinco velas, uma caixa de fósforos e mais um bilhete, com a mesma caligrafia do que estava no boneco, em cima de uma avelhantada escrivaninha, que dizia:

“Queime o boneco aqui, em cima desta escrivaninha, após o preparo do ritual. Não se assuste, mas caso falhe, um destino pior que a morte o aguarda. Desenhe um Pentagrama inscrito num círculo. Em cada ponta, coloque uma vela, mas acenda apenas três. Coloque o boneco no centro e diga as seguintes palavras: H’llar, S’llar, K’llar, deuses dos Ormits, rogo-lhes, libertem minha alma e terei meu perdão. Serei um convosco, um só coração. Habite-me, conforte-me, será parte do meu viver, torne-se um comigo! H’llar, S’llar, K’llar[1]. Se funcionar, este feitiço deverá ser capaz de aprisionar a fera. Agora basta queimá-lo, mas lembre-se, não mostre emoções negativas até que o fogo consuma o boneco por completo. ”

   Após fazer o que dizia o bilhete, acendi o fósforo para queimar o boneco. A chama cresceu num piscar de olhos, tomando uma coloração azul e, após, aumentando gradativamente, até tomar conta de toda a cabana. Precisei sair e observei de longe Mesmo em chamas, o boneco ainda não havia queimado, parecia estar protegido por um tipo de membrana. Foi então que vi Dave, que parecia também estar envolto em um manto vermelho fluorescente, translúcido, bem consistente, que liberava um estranho vapor. Ao cair em algum objeto, a secreção que escorria do manto derretia-o rapidamente.
   Ainda com os olhos vermelhos, Dave correu em direção à cabana, para tentar retirar o boneco do pentagrama. Tentei me aproximar, entretanto, sua agressividade me acuou. Vendo o que ele havia se tornado, tive medo de que ele atacasse outras pessoas. Ou eu acabo com isso agora, ou muitas outras pessoas, além de mim, irão morrer. Corri em meio as labaredas para proteger o boneco, joguei Dave no chão, jogando também alguns móveis nele. Arrumei algumas queimaduras de terceiro e quarto grau devido às chamas e, principalmente à secreção do manto, todavia, arrumei tempo o suficiente para que o boneco queimasse e Dave voltasse ao normal.
   - Onde estou? – Dave perguntou, meio tonto.
   - Bom te ver de novo, mano – disse, cheio de queimaduras, perdendo a voz.
   - O que é isso? Você está queimando, sua pele está se deteriorando! Vamos sair daqui rápido! – Desesperado, Dave me levou para longe das chamas.
   - Não se importe comigo – senti uma grande falta de ar e comecei a tossir, apenas fuja e salve-se!
   - Cala a boca! Não tente dar uma de herói, não agora! Fique quieto, vou lhe tirar daqui – disse Dave, segurando o choro.
   Meu irmão me levou ao hospital mais próximo, que estava a duas horas de distância. Nossa sorte foi uma mulher de idade nos ter dado carona, em sua carroça. O hospital era velho, feio e acabado, com um atendimento que, pelo visto, era catastroficamente anômalo. Lá, recebi um tratamento de merda, literalmente. Colocaram estrume em todo meu corpo[2]. Maldita queimadura na boca. Era uma sensação horrível sentir a bosta tocando meus lábios. Dave devia estar amando me ver daquela forma: pelado, enfezado, comendo a merda do meu rosto e mais a merda que me davam para comer. Ele ficava sentado ao fundo da sala, com um pano e incenso ao lado.
   Finalmente, um mês depois, estava tudo acabado. Ao menos era o que eu pensava, até encontrarmos, novamente, a senhora que nos dera os bonecos. Desta vez, ela nos deixou apenas algumas palavras.
   - Vocês sobreviveram, mas ainda não estão salvos! A fera ainda está aí e posso vê-la claramente. Parece que não obedeceu ao último aviso, não é Christopher?
   O nervosismo tomou conta de mim. Não havia cumprido uma parte do bilhete, não deveria ter sentido tais emoções negativas.
   - Parece que ainda me verão por algum tempo. Voltem ao bosque novamente e façam o juramento – disse a idosa, segurando um cajado de madeira, com aproximadamente um metro de altura.
   - Mas que juramento? Quem é você, desgraçada? – Gritou Dave, sedento por vingança.
   - Me chamo Vaughan, última da raça dos Ormit. Isso é tudo o que precisam saber sobre mim. Agora vão, façam o juramento, ele está dentro de vocês! Vão ao Bosque maldito e ele se manifestará – disse Vaughan, enquanto se aproximava, levantando o cajado, tocando nossas testas, fazendo uma espécie de marca de luz, e sumiu novamente, em meio à brisa, rodeada de folhas secas. Senti que havia esquecido algo, alguém importante. Uma pessoa pela qual daria a vida.
   Fomos ao bosque. Estava tudo repleto de cinzas, mas uma parte continuava intacta. A escrivaninha e os restos do boneco no centro do círculo de invocação estavam incólumes de qualquer mancha ou vestígio de que fora queimado. Como pode ser possível? Eu podia jurar que estava queimando! Quando chegamos perto dela, Dave percebeu que as cinzas do boneco formavam uma palavra: MALEDICTUS.
   - Isso parece Latim – deduzi.
   - Você está ouvindo o mesmo que eu, Chris? – Perguntou Dave.
   - Não, o quê?
   - É… uma voz. Diz: “Meu sangue voz darei...”
   - Que estranho. Será que – fui interrompido por uma voz, talvez a mesma ouvida por Dave.
   - E minha vida preencherei. Meu herdeiro terá seu valor, trará paz e harmonia, o segundo trará desgraça e será amaldiçoado. Minha vida é sua vida, hoje serei um novo ser, possuído pelas divindades e protegido por meu mestre – disse a voz misteriosa.
   - Pela sua cara, parece que agora você ouviu – disse Dave.
   Quem é esse mestre? Que herdeiros são esses? A única coisa que me vinha em mente era Vaughan dizendo: “façam o juramento”.
   - Esse é o juramento, Dave.
   - Vamos mesmo fazê-lo? Mas, e quanto a esses herdeiros? Eu sou mais novo que você, tenho apenas quatorze anos, enquanto você tem dezesseis. É óbvio que o primeiro herdeiro será seu! Não quero que meu filho seja amaldiçoado. Não farei esse juramento – disse Dave, indignado.
   - O juramento diz que o segundo filho trará desgraça, mas o que você acha melhor? Que seu filho a traga ou que você continue sendo possuído pelos capetinhas sedentos por sangue? Basta que você não tenha filho algum! Vai ficar tudo bem – tentei acalmá-lo um pouco.
   - Mas isso não é justo, sempre sonhei em ter uma família. Farei apenas se o primeiro herdeiro for meu. Deve me prometer – Dave lançou-me um olhar inseguro.
   - Eu prometo! Temos que fazer esse juramento, pelo seu próprio bem Dave – pensei.
   - Mas... e se... - Não dei tempo para que Dave completasse sua pergunta.
   - Se fizer o juramento, lhe darei todo o dinheiro que tenho guardado.
   - Fechado! – Dave apertou a minha mão, sentindo-se vitorioso.
   Foi nessa hora que cometi meu maior erro e, ao lado de meu irmão, de frente para a escrivaninha, fiz o juramento. Ao terminarmos de recitar as palavras, começou uma ventania, que serpenteou pela janela até a escrivaninha, fazendo as cinzas do boneco rodopiares como um pequeno furacão. O pentagrama começou a brilhar intensamente, até que, com o clarão, não pudemos mais nada enxergar.
   - Vocês devem ser meus novos escravos, ainda têm uma vida inteira de serventia. A maldição da herança está lançada. Para um será uma benção, já para outro, a maldição. Jamais desviem do meu caminho se quiserem destruir a fera, sejam súditos leais e serei misericordioso com suas cômicas almas – disse a voz que vinha da direção da luz.
   Após ouvir isto, nossa visão voltou ao normal, mas percebemos que a escrivaninha estava completamente destruída, com somente um pedaço da madeira, onde estava desenhado o pentagrama, intacto. A cabana, antes reduzida a cinzas, estava novamente de pé.
   - O que foi isso? – Perguntou Dave, confuso.
   - Deve ser o nosso “mestre” – disse, tentando parecer óbvio.
   - Vamos embora, já vi coisas demais por hoje. Não se esqueça do dinheiro que me prometeu – os olhos de Dave brilhavam de alegria.
   - Que dinheiro? Não tenho nada disso. Você quer dinheiro? Vá trabalhar!
   - Mas você disse que... eu sabia, é sempre assim. Você nunca cumpre o que diz... – falou baixo, para que eu não ouvisse.
   Fomos ambos para casa, já era tarde da noite. Por alguma razão, Dave não dizia uma palavra, mesmo que eu tentasse chamar sua atenção, mas isso não durou muito. Novamente, Vaughan apareceu, deixando mais algumas palavras enigmáticas.
   - Não fizeram um juramento, mas um pacto oferecendo suas vidas e o destino dos seus filhos a Lúcifer!
   Não sabia o que dizer, parei, perplexo, tentando procurar alguma explicação relativa para isso. Meu irmão, como era supersticioso, sempre teve medo de espíritos e coisas do tipo. Quando percebeu que havia se tornado escravo de um demônio, simplesmente desmaiou.
   - Foi mais efetivo que pensei – Vaughan riu. – Não o conte nada do que eu lhe falar. A fera pode ser domada, porém, levará anos para destruí-la.
   - E como faço isso? – Perguntei.
   - Para a fera domar, deves o penhasco escalar. Poderás resolver com uma xícara de chá, ou qualquer comida enfeitar.
   Deixando uma charada, Vaughan desapareceu, pairando no ar.






[1] Selo do Orcry – feitiço usado para aprisionar e destruir a fera num receptáculo.
[2] Na época, era como tratavam queimaduras, com lama, folhas e estrume.


E aqui termina mais um capítulo! Não esqueçam de comentar, curtir e compartilhar. Lembrem-se que a opinião de vocês é muito importante pra mim, portanto, comentem!

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